Acordei-me ao som do sabiá
laranjeira. Despertei mergulhando em sonhos. Um acordar para dentro, recordando
a primavera de minha alma.
O canto do sabiá prenuncia a
primavera. Não a humana – essa cheia de cálculos e previsões – mas sim, esse
despertar cheio de encantos vindo das profundezas da terra, por longo tempo
adormecido nos braços de Hades.
Ah! Querido sabiá, que através
desse canto, é convite e portal. Transporta-me a um sonho construído ao som de
cantos passados. Recantos, recônditos de minha alma. Saudade renascida e assassinada
no ato da própria lembrança. Sonho que para além de imagens é, antes,
sensações, desejo e realizações. Condensa
nesse instante do sonhar, o retorno ao território do pretenso primórdio. Sonho
que não é realidade, mas existência, meta existência. Silenciamento do corpo físico em detrimento
de um encontro com o essencial. Vivência do idealismo platônico?
O canto do sabiá não é apenas som
é minha alma em ação, é meu corpo silenciado com gritos e rebuliços internos. E
nessa melodia encontro fonte, água, amor. Já não sei quem sou, ocupo o todo. E
a música já não vem de lá, ela está aqui. Eu sou a música, a fonte, a água e o
amor. E a fonte jorra amor escorrendo em forma de música. E o amor derrama
melodias da fonte. A fonte de água canta
amores. E os sons gotejam da fonte o delicioso amor. E a água verte amores como
fonte de música. E o amor pulsa como fonte pingando melodias. A música canta
amores desaguados da fonte. E da fonte amorosa eu bebo melodias. E melodias
transbordam fontes de amor. E o amor é canção de uma fonte que jorra... Sou
fonte, água, melodia e amor. E me transporto de um ao outro em curta fração de
tempo. E o tempo é cada vez mais curto, E de tão curto o tempo, esse um está no
outro, e o outro já é esse um. Não há mais tempo, não há mais um nem outro, não
há fronteira. Não me pertenço, sou um não-eu. Sou existência.