Pois
é, me peguei pensando nela nesse exato momento! Diferente de muitas pessoas eu
acho ela bem convidativa em várias ocasiões. Às vezes não é arma na boca, mas a
deliciosa sensação de uma faca na jugular. Já a faca serve mais para os
momentos em que sinto a necessidade de uma punição ou de algum tipo de
intensidade. Eu realmente sinto um grande prazer ao imaginar a lâmina rompendo
a carne, e fazendo jorrar o sangue antes preso no corpo, tal como feijão querendo
sair de panela de pressão. A arma na boca já tem para mim um sentido mais
imediato, um fim iminente, simplesmente alívio através de um delicioso "Puf!"
Há
quem vá dizer: “Meu Deus você tem problemas!”
Nessas
horas respiro desdenhosamente por ver a negação que as pessoas fazem de si
mesmas. A angustia está dada, para todo e qualquer ser humano. A diferença
entre eu e a grande maioria é que eu não encontro alívio naquilo que a nossa
cultura aceita para mansidão das angustias, essas nossas presentes companheiras. De fato, eu sou um desadaptado. Não
encontro alívio em religiões, ou na formação de um núcleo família sanguíneo,
nas festas, bebedeiras, no ócio televisivo, nos encontros banais entre amigos,
nas conversas mal afiadas de trabalho etc. Eu passo por tudo isso, mas sou sempre
um estrangeiro, olhando de fora tantas encenações e fugas.
Eu
não tenho problemas! Vocês que encontraram soluções para aquilo que vocês
pensam ser um problema. Eu ando abraçado com a minha angustia. É ela que me dá
um beijo todas as manhãs, e me faz carinhos na cabeça antes de dormir. Durante
o dia às vezes ela me surpreende pegando em minha mão, ou sussurrando coisas em
meu ouvido. Outras vezes durante a madrugada ela me acorda para conversar, e lá
ficamos - ela e eu - em um diálogo intenso na madrugada. Graças a ela é que
pude muitas vezes olhar a lua, as estrelas, ou ver o nascer do sol. Poxa! Como
posso negar uma companheira tão fiel?
Eu
gosto da Angustia, pois ela é a única amiga que me tira do lugar comum. Ela faz
de mim um filósofo: com ela eu penso, reflito, medito. Na grande maioria das
vezes não encontro respostas é verdade! Mas ela mexe com minha alma. Tira-me do
palco do senso comum, me arranca as máscaras que até eu acreditava já ser eu. Sim,
ela me bagunça! Coloca interrogações onde antes eram certezas. E sim, com ela às
vezes vou passear a beira do precipício, ali onde se inicia o fim: a arma na
boca! Mas é quando eu faço esses
passeios macabros com minha amiga, que o retorno à rotina toma outro sentido. Lá
a beira do precipício ela silencia, normalmente fica lá - sentada à beira - embalando
suas pernas agitadas olhando para o horizonte obscuro. Silêncio que me diz:
“agora pode voltar!” Eu volto, sozinho, sereno. E então todas aquelas festas,
as bebedeiras, o ócio televisivo, os encontros banais entre amigos e as
conversas mal afiadas de trabalho já não são solução para o “problema” angustia
como a maioria das pessoas faz uso. Para mim, já são a própria existência. Medíocre
existência é verdade, mas existência que pode ser reinventada e recriada. Não é
a encenação dura e rígida de quem foge de algo, se apegando com unhas e dentes as mediocridades da pretensa estabilidade. Continuo estrangeiro, mas o
estrangeiro que traz consigo a novidade e a diferença para a criação. Afinal não há mais nada temer para quem já esteve diante da obscura boca do abismo: A imagem da língua em fogo atravessando os delicados miolos pintando com cores quentes o que já não tem mais vida.
A angustia quando nos leva ao limite nos ensina
humildade e uma capacidade criativa para nosso dia a dia. Nem todas as amizades
nos elogiam ou nos distraem com supérfluas alegrias, às vezes é nas amizades mais
duras que encontramos outras verdades. É preciso abraçar e ouvir a própria
angustia, e mesmo nos levando à beira do precipício é lá onde ela nos ensina a leveza da vida!